Setealém: O Primeiro Relato e o Mistério do “Incidente do Ônibus”

Em outubro de 1994, um jovem estudante de publicidade chamado Luciano Milici viveu o que hoje é chamado de “Incidente Setealém” ou “Relato Prime”. Naquela madrugada, dentro de um ônibus em São Paulo, Luciano afirma ter ouvido a expressão “Setealém” — o termo que batizaria posteriormente todo um universo de lendas, relatos e narrativas sombrias que capturaram a imaginação de milhares de pessoas. Ele diz que, naquele momento, algo pouco definido mudou: não se tratava apenas de uma febre, alucinação ou exagero infantil, mas de uma experiência que permanecia gravada em sua memória — algo que ele próprio descreve como o primeiro contato com algo além da realidade cotidiana.

Desde então, “Setealém” deixou de ser apenas uma palavra estranha pronunciada num ônibus para se tornar uma entidade narrativa coletiva: um universo paralelo, decadente e inquietante, povoado por criaturas estranhas, espaços deformados, falhas na realidade, portais invisíveis, universo opressor. A grafia exata do nome (“Setealém”, “Sete Além”, “Se7ealém”, “7 Além” etc.) permanece incerta, pois ela misma parece mutar conforme quem a conta. Luciano não apenas registrou esse termo, mas começou a coletar relatos semelhantes enviados por pessoas de diferentes idades, regiões e classes sociais, e isso foi se tornando parte de uma mitologia contemporânea colaborativa, ancorada na internet, nas comunidades online, fóruns e redes sociais.

O que torna esse relato particularmente interessante, para quem estuda fenômenos limítrofes da consciência ou experiências de quase morte, é que ele possui elementos que lembram esses fenômenos: uma ruptura com a realidade comum, uma percepção de algo além do visível, uma sensação de deslocamento, estranheza que desafia explicações lógicas simples. Embora Setealém não seja oficialmente classificado como uma EQM no sentido clínico — não há, pelo menos publicamente, registro de parada cardíaca, ausência de funções vitais, confirmação médica de que o cérebro estivesse “inativo” — ele se aproxima do imaginário sobrenatural que essas experiências evocam.

Além disso, o relato de Luciano Milici tem respaldo cultural. A partir de 2004, ele criou uma comunidade no Orkut com o nome “Setealém”, que passou a agregar diversos relatos de pessoas que afirmavam ter passado por situações semelhantes ao incidente original: visões de ambientes irreais, lugares dentro de ônibus ou estações de transporte que pareciam atravessar a normalidade do espaço, gatilhos que misturam sonho, febre, confusão mental e sensação de outro mundo. Esses relatos não são todos iguais, variam em intensidade, detalhes, coerência, mas o aspecto comum entre muitos é a impressão de ter atravessado um limiar entre o que consideramos real e irreal, comum e extraordinário.

É também relevante lembrar que, apesar de muitos relatos, não existe até o momento evidência médica ou científica confirmada de que alguém tenha saído do corpo fisicamente ou observado fatos do “outro lado” durante um estado clínico de morte no contexto de Setealém, como ocorre em alguns casos de EQMs bem documentadas. O fenômeno de Setealém parece situar-se mais no campo da crença, narrativas pessoais, lendas urbanas e elementos de horror cósmico do que em documentos hospitalares ou científicos verificáveis — pelo menos nos registros disponíveis publicamente.

Para quem publica ou explora essas narrativas, é interessante ver Setealém como um fenômeno híbrido: parte folclore moderno, parte creepypasta ou horror colaborativo, parte relato de experiências limítrofes de consciência. Sua força está justamente nessa ambiguidade. Ele provoca medo, fascínio, reflexão. Ele exige que nos perguntemos até que ponto as histórias que contamos, ouvimos e repetimos transformam-se em realidade compartilhada, ou em ecos de algo que cada um viveu em sua mente.

Se você ler sobre Setealém e se sentir tocado por esse mistério, talvez valha a pena fazer uma auto-observação: que experiências pessoais quase limítrofes você já viveu? Que momentos transcenderam a lógica comum, o ordinário? Às vezes, o relato de Setealém funciona como espelho — e nesses reflexos sombrios podemos descobrir mais coisas sobre nós mesmos: nossos medos, nossas expectativas, nossas crenças sobre o que existe além.

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